O dilema de converter informações quantitativas para classes qualitativas é recorrente quando se trata de variáveis espaciais. Pense em classes de vegetação, classes de solo, etc. Em geral derivam de informações quantitativas que seriam impossíveis cognitivamente de usar no seu estado bruto, não “classificado”. Nesse post, vamos voltar ao TPI e à declividade, agora usando o poder do geoprocessamento para produzir informações palpáveis e mais úteis que apenas os números. Com isso, vamos obter dez classes de formas do relevo que podem ser integradas em modelos de ecologia da paisagem, modelos hidrológicos que fazem uso de unidades de resposta hidrológica, planos de manejo de unidades de conservação e planejamento ambiental em geral
Qualificando as informações
A mente humana não é muito boa com números. Decisões são tomadas com muita dificuldade quando as informações estão em seu estado quantitativo completamente bruto. Por exemplo, qual é a maneira mais fácil de avaliar um serviço: (a) com uma escala numéria de 0 a 10 ou (b) com 5 conceitos: “muito ruim”, “ruim”, “regular”, “bom”, “muito bom”? Escalas qualitativas são melhor interpretadas. Não quer dizer que são mais acuradas. Apenas facilitam a nossa vida.
Esse dilema de converter informações quantitativas para classes qualitativas é recorrente quando se trata de variáveis espaciais. Pense em classes de vegetação, classes de solo, etc. Em geral derivam de informações quantitativas que seriam impossíveis cognitivamente de usar no seu estado bruto, não “classificado”.
Nesse post, vamos voltar ao TPI e à declividade, introduzidos no post passado, agora usando o poder do geoprocessamento para produzir informações palpáveis e mais úteis que apenas os números.
Classificação com a calculadora Raster
Bom, chegou o dia de usar a calculadora raster no QGIS. Essa ferramenta é extremamente útil e encontra-se na barra de ferramentas “Raster”. É possível acessar versões simplificadas da calculadora em pacotes da caixa de ferramentas também.

A vantagem da calculara é poder inserir fórmulas mais ou menos complexas. E aqui vamos ter que falar sobre álgebra booleana.
Pense o seguinte: queremos classificar a declividade em “áreas planas” e “áreas íngremes”. Vamos estabelecer um critério arbitrário de que píxeis de valor de 5 graus e abaixo são áreas planas. Por exclusão, píxeis acima de 5 graus são as áreas íngremes.
Para isso, basta inserir a seguinte fórmula na calculadora raster:
“decliv@1” <=5
Onde “decliv@1” é a camada raster de declividade. Renomeie a camada para que a fórmula funcione (ou mude a fórmula). Um detalhe técnico importante: as “aspas” na calculadora raster precisam ser aspas duplas retas, não curvas.
O resultado dessa operação lógica será um imagem booleana, com píxeis de valor 1 onde o critério (menor ou igual a 5) é verdadeiro, ou seja, onde as áreas são planas de acordo com nosso critério. Valores de 0, por exclusão, indicam as áreas íngremes. Pronto, o raster já foi reclassificado. Podemos estilizar a camada para cores mais adequadas e mostrar para o mundo o nosso mapa de “áreas planas” e “áreas íngremes”, em vez de um mapa com um gradiente contínuo de cores que, apesar de mais elegante, não ajuda muito.

Múltiplas classes
As operações de lógica booleana podem ser ampliadas para produzir múltiplas classes com os valores de píxel que desejamos. Por exemplo, podemos desejar classificar a declividade em cinco níveis: “muito plana” (valor 1), “plana” (valor 2), “moderada” (valor 3), “íngreme” (valor 4) e “muito íngreme” (valor 5). Imagine que quatro valores de declividade necessários para a transição abrupta entre as classes (valores “quebra de classe”) são 3, 5, 10, 30 (o que é apenas uma definição abitrária).
O segredo para fazer isso dar certo é multiplicar as imagens booleanas para se obter a intersecção das condições lógicas. A fórmula resultante é uma soma de imagens booleanas que são multiplicadas pelo valor definito (arbitrariamente) de cada classe:
((“decliv@1” <= 3) * 1) +
(((“decliv@1” > 1) * (“decliv@1” <= 5)) * 2) +
(((“decliv@1” > 5) * (“decliv@1” <= 10)) * 3) +
(((“decliv@1” > 10) * (“decliv@1” <= 30)) * 4) +
((“decliv@1” > 30) * 5)
Com as devidas estilizações de camada, podemos visualizar as classes nas cores mais adequadas. Inclusive existem diversos pacotes que podem converter o raster em um shapefile ou formato vetorial similar. Entre os disponíveis, eu prefiro o do SAGA (vectorising grid classes).

Classificando as formas do relevo
No último post, eu afirmei que o TPI permite que interpretemos as formas do relevo em termos de topos de morro, encostas uniformes e fundos de vale. Também apresentei o fato do TPI variar de acordo com a escala, sendo o raio de busca o parâmetro que define essa variação.
Bom, agora vamos obter dez classes de formas do relevo, cruzando o TPI em micro e macro escala com a declividade. Como sempre, é importante ter em vista o fluxograma do processo. Vamos avaliar duas rotas: o passo a passo e tudo de uma vez só, com uma fórmula completa.

Passo -1: obter um MDE
Se você caiu de pára-quedas aqui (seja bom-vind@!), tudo que vamos fazer é extraído de um Modelo Digital de Elevação (MDE). Nesse post aqui eu dou dicas de como obter um MDE do zero, diretamente dos dados do USGS.
Passo 0: Declividade, TPImicro e TPImacro
A primeira coisa é extrair do MDE a declividade e dois raster TPI: um para a micro escala e outro para a macro escala. No post anterior eu mostro como fazer isso.
Os raios de busca mais adequados para os TPIs irão variar de acordo com o terreno que você está avaliando. No MDE do meu exemplo, o raio de 200 metros para a micro escala representou adequadamente as feições do relevo. Eu testei um raio menor, de 100 metros, mas como o píxel do MDE tem resolução de 30 metros, a janela de vizinhança ficou muito pequena, produzindo muito ruído e menos feições nítidas. Para a macro escala, a decisão do tamanho do raio também passa pelos mesmos dilemas. No meu exemplo eu usei 2000 metros (o que é uma ordem de magnitude maior que o raio da micro escala).

Passo 1: Classificar o TPI em três classes
O segundo passo é classificar os dois raster de TPI em três classes: “vales”, “encostas” e “cumes”. Os “vales”, regiões de TPI muito negativo, devem receber o valor de 1; as “encostas”, regiões de TPI próximo de zero, devem receber o valor de 2, e; os “cumes”, regiões de TPI muito positivo, devem receber o valor de 3.

Os dois valores de quebra de classe necessários para essa classificação serão provavelmente diferentes para cada escala. Recomendo pré visualizar a classificação simplesmente manipulando a simbologia dos raster de TPI (usando interpolação discreta). Aqui, o ideal seria calibrar os valores de quebra com outras observações das feições que vamos produzir adiante (verificação em campo ou por sensoriamento remoto).
Definidos os valores de quebra (V1 e V2 para micro; V3 e V4 para macro) a fórmula para classificação do TPI é:
((“TPImicro@1” <= V1) * 1) +
(((“TPImicro@1” > V1) * (“TPImicro@1” <= V2)) * 2) +
((“TPImicro@1” > V2) * 3)
Onde “TPImicro@1” é o raster de TPI para a micro escala, V1 e V2 são os valores de quebra que precisam ser definidos. A fórmula para macro escala é análoga:
((“TPImacro@1” <= V3) * 1) +
(((“TPImacro@1” > V3) * (“TPImacro@1” <= V4)) * 2) +
((“TPImacro@1” > V4) * 3)
No meu exemplo, usei os seguintes valores: V1 = – 0.8 e V2 = 0.6 para a micro escala e V3 = – 0.9 e V4 = 0.7 para a macro escala.
Passo 2: Classificar por sobreposição
Uma outra forma de classificação muito útil em geoprocessamento é a simples soma de duas camadas raster já previamente classificadas. É o famoso “cruzar os dados”. Veja bem: se o TPImicro classificado for somado com o TPImacro classificado, temos 3 x 3 = 9 classes possíveis
Detalhe importante: para evitar somas diferentes que resultam em valores iguais (1 + 2 = 3; 2 + 1 = 3), multiplica-se uma das camadas raster por um fator de 10. (Se um dia você for fazer isso para mais de duas camadas, vá multiplicando por fatores de 10). A fórmula para obter as classes de relevo baseadas nos TPI de micro e macro escala:
“TPImicR@1” + (“TPImacR@1” * 10)
Onde “TPImicR@1” é a camada raster de classificação para o TPI de micro escala e “TPImacR@1” é a camada raster de classificação para o TPI de macro escala.

Mas o que essas 9 classes significam na prática? É possível deduzir teoricamente. O que significa um píxel ser um “cume” tanto na micro escala quanto na macro escala? Resposta: é um pico de uma cadeia de montanha, ou serra. Um “cume” na micro escala mas uma “encosta” na macro escala é uma “crista”. Esse racioncínio indutivo pode ser estendido para todas as nove classes, como mostra a figura abaixo.

Passo 3: Separando planícies de encostas de morro
A classe de valor 22 é a região de ambiguidade que o TPI é “encosta” em ambas as escalas. Como foi dito no post anterior, TPI próximo de zero quer dizer apenas que o relevo é uniforme em todas as direções. Mas como temos a declividade, podemos criar uma nova classe de “planície”, que receberá o valor de 24. Para isso, precisamos definir um limiar de declividade para considerar a área “plana”. Eu usei no meu exemplo o valor de menor ou igual a 4 graus.
A fórmula para fazer a correção é simples mas requer uma boa dose de álgebra booleana:
(((“decliv@1″<=V5) * (“LF9@1” = 22)) * 2 ) + “LF9@1”
Onde “decliv@1” é o raster de declividade, em graus, V5 é o limiar para áreas planas, em graus; “LF9@1” é o raster resultante do passo anterior, as 9 classes de relevo.
O resultado dessa operação é um raster com 10 classes de formas do relevo. Sugestão de legendas para os valores das classes:
- Classe 11: Fundos de Vale
- Classe 12: Vales
- Classe 13: Bordas de vale
- Classe 21: Chapadas e mesas
- Classe 22: Encostas suaves
- Classe 23: Cristas
- Classe 24: Planície
- Classe 31: Talvegues de morro
- Classe 32: Encostas de serra
- Classe 33: Topos de serra

Tudo de uma vez só
Como dito anteriormente, a calculadora raster é bem robusta e suporta fórmulas mais ou menos complexas. Se você já tem a declividade e as camadas raster de TPI macro e micro, é possível escrever tudo em uma única fórmula:
(((“decliv@1″<=V5) *
(((((“TPImicro@1” <= V1) * 1) +
(((“TPImicro@1” > V1) * (“TPImicro@1” <= V2)) * 2) +
((“TPImicro@1” > V2) * 3) ) +
((((“TPImacro@1” <= V3) * 1) +
(((“TPImacro@1” > V3) * (“TPImacro@1” <= V4)) * 2) +
((“TPImacro@1” > V4) * 3)) * 10)) = 22)) * 2 ) +
((((“TPImicro@1” <= V1) * 1) +
(((“TPImicro@1” > V1) * (“TPImicro@1” <= V2)) * 2) +
((“TPImicro@1” > V2) * 3)) +
((((“TPImacro@1” <= V3) * 1) +
(((“TPImacro@1” > V3) * (“TPImacro@1” <= V4)) * 2) +
((“TPImacro@1” > V4) * 3)) * 10))
Aviso aos navegantes: os valores de V1, V2, V3, V4 e V5 precisam ser definidos numericamente na fórmula! Além disso, para a fórmula funcionar, ou as camadas de declividade e TPI devem ser renomeadas de forma idêntica na fórmula, ou a fórmula precisa ser modificada. Ah, e as aspas precisam ser retas!
Se você não quer se incomodar com esses problemas de aspas curvas e retas, disponibilizei um arquivo de texto com a fórmula sem formatações de estilo:
……………….:::::::::::: baixar arquivo de texto com a fórmula ::::::::::::……………….
Mas qual é o objetivo?
Se você não vê o valor intrínseco em mapear as formas do relevo em classes, talvez esteja se perguntando para que serve essa classificação. Bom, as classes das formas do relevo podem ser integradas em modelos de ecologia da paisagem, modelos hidrológicos que fazem uso de unidades de resposta hidrológica, planos de manejo de unidades de conservação e planejamento ambiental em geral. Tudo isso com informações tão simples, como a declividade e o TPI!
Referências:
Weiss A (2001) Topographic position and landforms analysis. In:
Poster presentation, ESRI user conference, San Diego, CA.