Modelos Digitais de Elevação e o SRTM
O ambiente físico é a base de muitos processos na natureza. Por isso, modelos digitais de elevação (MDE) são dados essenciais para análise ambiental, além de serem uma fabulosa fonte de diversão para quem gosta de geoprocessamento. São dados no formato matricial e cada píxel é uma amostragem retangular da superfície com um valor de elevação associado.

Durante 11 dias em Fevereiro de 2000, ônibus espacial Endeavour executou a missão SRTM – Shuttle Radar Topography Mission. Essa missão produziu um MDE para praticamente todo o mundo. Ao que parece, apenas partes da Antártida ficaram de fora do mapeamento. O Endeavour usou uma tecnologia de paralaxe com radar. Para estimar a elevação da superfície da Terra, dois radares foram usados: um na espaçonave outro em um mastro acoplado. A elevação é do topo da superfície, não do solo propriamente dito. Mais informações: https://www2.jpl.nasa.gov/srtm/

Os dados da missão SRTM são públicos e disponíveis para download. A resolução espacial dos píxeis é de 30 metros (existe a versão de 90 metros também). É uma resolução incrivelmente boa, na minha opinião.
E aqui vou apresentar a forma que eu costumo baixar o dados brutos da missão, processar eles e construir um MDE.
Não custa mencionar que existem outros MDE globais, de outros projetos e missões. Mas aqui vamos nos focar no SRTM.
Primeira etapa: obter os dados SRTM da área de interesse
Passo 0: acessar o portal Earth Explorer
Esse é o link: https://earthexplorer.usgs.gov/
O Earth Explorer é uma plataforma mantida pelo serviço geológico dos Estados Unidos (USGS). É preciso cadastrar uma conta no portal para acessar os dados! Faça um café e encare os formulários. Vale a pena porque existem muitos dados legais nessa plataforma. Anote seu usuário e senha em algum lugar!

Passo 1: selecionar a área de interesse
Como se estivesse no Google Maps, navegue até a sua área de interesse. O Earth Explorer disponibiliza algumas opções de seleção de área. A mais fácil é dar um zoom na área de interesse e clicar no botão “Use Map” (usar mapa). Uma seleção vermelha retangular será criada sobre a área do mapa. Se estiver tudo OK, clique em “Results” (resultados).

Passo 2: selecionar o banco de dados SRTM
Existem várias opções de dados de elevação. Aqui eu recomendo o SRTM (que é uma aba à parte) e a opção “SRTM 1 Arc-second Global“. Essa opção corresponde aos dados de SRTM com a melhor resolução disponível, de um arco de segundo. Essa resolução é de aproximadamente 30 metros. Em outras palavras, cada pixel representa parcelas da superfície de 30m x 30m. De novo, prossiga clicando em “Results“.

Passo 3: Visualizar os resultados
Aqui é preciso ficar alerta: os dados do SRTM estão disponíveis em pedaços, ou camadas, que formam um mosaico. Cada camada tem 1 grau x 1 grau (mais ou menos quadrados de 111 km por 111 km). É preciso identificar primeiro quais você está interessado e depois baixar um por um. Se você estiver modelando uma área pequena, talvez tenha a sorte de não precisar baixar muitas camadas.
Sim, existe a opção de baixar tudo ao mesmo tempo (bulk download) para grandes mosaicos, mas isso fica como questão exploratória.
Os resultados aparecem na lateral, em uma lista que pode ocupar mais de uma página.
Cada camada listada tem opções de visualização, metadados e download.
Exemplos de visualizações das camadas:
Passo 5: baixar os arquivos da área de interesse
Uma vez que todas as camadas da área de interesse são conhecidas, clique em opções de download em cada camada e escolha depois a opção GeoTIFF. São arquivos de porte médio. Não deve demorar muito para baixar.
Segunda etapa: geoprocessamento no QGIS
Fluxograma do processamento
Os dados baixados no Earth Explorer são dados brutos. Eles estão em camadas avulsas e muito provavelmente contém falhas, “buracos” (voids) nos dados. A origem de tais “buracos” é que o radar da missão SRTM não conseguiu amostrar essas regiões dentro do padrão de qualidade. É preciso unir as camadas em um único mosaico e preencher os buracos nos dados com algum algoritmo de interpolação. Além disso, os dados estão em coordenadas geográficas do elipsoide WGS 84. Geralmente se deseja trabalhar com dados em coordenadas planas, projetadas em algum plano, como os fusos UTM.
Assim, vamos prosseguir conforme o seguinte fluxograma:

Passo 6: importar os arquivos para o QGIS
Nesse exemplo, estou trabalhando com quatro camadas que modelam a região de Porto Alegre, incluindo as bacias hidrográficas do Rio Gravataí, Rio dos Sinos e Rio Caí. Se quiser acompanhar o tutorial com essas camadas, clique no link abaixo:
Baixar camadas do MDE da região de Porto Alegre
Existem algumas formas de importar arquivos matriciais (raster) para o QGIS. A mair fácil é configurar o painel de navegação na lateral do canvas, achar a pasta dos aquivos, selecionar eles e simplesmente arrastar para o canvas os arquivos (drag and drop).

Observação: eu uso o QGIS 2.18.28 por motivos explicados nesse post aqui.
Passo 7: unir os arquivos em um único mosaico
A ferramenta recomendada para isso é a a “Merge” do pacote GDAL. Não tem muito mistério, é só selecionar as camadas, definir o nome do arquivo de saída e executar o geoalgoritmo.

Passo 8: corrigir “buracos” nos dados
O SRTM tem alguns “buracos” nos dados brutos. São pequenos, mas é ideal preencher eles. Eles aparecer como buracos brancos no relevo. Com a ferramenta de identificar resultados, é possível conferir que não existem dados nessas pequenas regiões.

De novo, vamos usar outra ferramenta do pacote GDAL. É a “Fill nodata“. Ela faz a interpolação nos “buracos”. É importante lembrar que, ainda a gente confie no algoritmo, os novos dados de altitude dentro dos “buracos” são invenções. Felizmente não são falhas muito grandes. Os parâmetros de busca padrão (default) da ferramenta geralmente funcionam para corrigir as falhas do SRTM.

O resultado:

Passo 9 (opcional, mas recomendado): reprojetar para coordenadas planas
Eu estou acostumado a trabalhar sempre em coordenadas planas. Eu posso estar enganado, mas tenho até a impressão que o QGIS funciona melhor nessas coordenadas.
Recomendo, mais uma vez, usar o pacote GDAL. A ferramenta é “Warp“. Você vai precisar especificar qual CRS (sistema de coordenadas) você quer reprojetar a camada. No meu caso, reprojetei para SIRGAS 2000 UTM 22S.
Uma dica: eu prefiro interferir nos parâmetros e mudar o método de reamostragem de “near” (que é o método “vizinho mais próximo”) para “bilinear“. O método bilinear faz ajustes mais suaves no relevo, evitando eventuais “degraus” bizarros que já verifiquei no método “near”. Os outros métodos são mais complexos e desnecessários para uma simples reprojeção de camada, na minha opinião.

Bônus: um modelo para facilitar a vida
Se você não tem muito tempo a perder, já deve estar familiarizado com a contrução e modelos para processar dados no QGIS. Eu abordo eles nesse post aqui.
Eu fiz um modelo que aceita quatro camadas avulsas do SRTM, as une, corrige os buracos e reprojeta o mosaico em coordenadas planas no fuso UTM 22S. Clique abaixo para baixar o modelo. Em Models, Tools, use a opção “add model from file” para adicionar. Funciona somente no QGIS 2!
Baixe aqui o modelo de processamento SRTM
É possível modificar esses critérios no modo de edição (isto é, adicionar mais camadas de entrada e mudar a projeção de destino).
Ficou assim:

Executando:

Resultado
O resultado é um MDE, baseado em dados da missão SRTM. No meu caso, eu usei quatro camadas da região de Porto Alegre. Na figura, regiões altas são as mais claras. Nosso próximo tutorial será focado na visualização melhor dos dados de elevação.

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